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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Operação Lava Jato: Os homens não são anjos

            A Operação Lava Jato tornou-se a polêmica mais assistida nos últimos anos do cenário político-econômico brasileiro. Investigações sobre o maior esquema de corrupção envolveram uma série de especulações sobre toda a rivalidade e vitalidade do sistema democrático nacional, reiterando, sobretudo, a grande institucionalização da corrupção no Brasil.  Desse modo, o questionamento sobre a natureza humana, sobre a separação dos poderes e sobre a constituição mista do governo articula-se aos segmentos federalistas que, em pleno século XXI, ainda questionam a eficiência do controle mútuo entre os três poderes do Estado.
Em 1787, a ratificação da constituição dos Estados Unidos através da obra O Federalista colocou em pauta o que mais tarde ficaria conhecido como a "Teoria dos pesos e contrapesos". E, ao enxergarmos o Brasil contemporâneo, lidamos com a seguinte frase que procura diferenciar sutilmente o conceito de República antes e após os autores americanos: “Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, a delegação do governo, nesta última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, o maior número de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode abranger” (MADISON, art. 10).  Ou seja, o que vinga adequadamente para o aprimoramento da cidadania não é uma república como aquela herdada pelo principado maquiavélico, onde o senso comum estabeleceu "o fim justificam os meios" como o ideal a ser seguido, mas sim a atual defesa norte-americana onde a soberania dos Estados está unida em prol da liberdade do povo. Portando, o que esta série de 85 artigos procura defender durante séculos de poderio estadunidense no mundo é: o equilíbrio, o controle e, principalmente, a união do Estado em através da independência.
O Brasil possui no 1° artigo de sua Constituição de 1988 o nome dado de República Federativa. E, assim, a federação passa a ter uma clara relação com o atual "descontrole" brasileiro batizado de Operação Lava Jato, uma vez que a balança dos três poderes da república federativa brasileira implica que a grande realidade nacional se correlaciona com o fato de que a capacidade de controle da população sobre seus representantes legislativos, executivos e judiciários, é praticamente nula. Como dito por Madison, "se os homens fossem anjos, não seria necessário um governo". Portanto, é essencial que a separação de poderes definida nos Artigos represente a distribuição regular do poder em distintos setores, pois não há uma divisão de poderes em hierarquias, mas sim em competências. E, por isso, inverte-se a questão brasileira de que, com inúmeros escândalos relacionados aos poderes executivo e legislativo, tem-se uma evidente independência jurisdicional do poder judiciário, o que quebra o critério dos três poderes expostos por John Locke e aperfeiçoados por Mostesquieu.
A heroicização de juízes e magistrados que hoje possuem uma autonomia e um poder concebido pela população no combate ao esquema de lavagem de dinheiro intensificou uma certa superioridade do sistema judiciário. Existe, portanto, como descrito em O federalista, uma certa interferência do Judiciário na produção do legislativo, visto que o primeiro é o Guardião da Constituição e tem o poder de se declarar contra leis do legislativo ou atos do executivo. Isto é, sob investigação da polícia federal brasileira e sob os olhos do povo que reivindica justiça, o judiciário resguarda e limita a legitimidade/índole dos outros dois poderes; tudo em nome da continuidade do Estado de Bem-estar social garantido pela Constituição federal.
Ademais, a cassação de políticos e empresários da Operação Lava Jato coloca em prática a judicialização da política, provocando um grande risco para a democracia, uma vez que não existem controle para os controladores, tais como no Ministério Público do Brasil. No processo de investigação no sistema judiciário, o réu terá direito à ampla defesa das acusações e a se manifestar sobre cada alegação e prova oferecida pelo MP. Contudo, pode também optar por uma colaboração premiada, na qual o "escambo de justiça" torna-se o mais ideal exemplo da vontade de prejudicar alguém, tanto em épocas de crise quanto em épocas de eleição.
Desse modo, a engenharia de divisão de poderes e o controle mútuo proposto pelos federalistas tornaram-se uma guerra de poderes nacionais. Os freios e contrapesos estão de fato sendo utilizados como artifício de um lado da moeda, mas a politização da justiça simboliza um grande protagonismo judiciário e magistral. O momento delicado do país tende a ignorar o fato de que os meios de ataque precisam e devem ser proporcionais aos meios de defesa, fazendo esquecer que a limitação é essencial para entender-se que nenhum homem é anjo, nem mesmo aqueles que hoje julgam, acusam e prendem os delatores, doleiros, políticos e chefes de empreiteiras. A lava jato é um típico exemplo de colocar-se em dúvida não só o federalismo americano, mas também a singularidade do ministério público e a independência do judiciário brasileiro.

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